Costa, Benitez e as eleições do Benfica

António Tadeia
4 min readOct 7, 2021

Rui Costa e Francisco Benitez debaterão hoje (21h30, na BTV) as ideias que defendem e que os levam a candidatar-se às eleições do Benfica, já no sábado. Como quase sempre acontece nestas circunstâncias, a conversa será seguramente mais sobre o passado do que sobre o futuro, mais sobre aquilo que cada um fez para chegar ao que representa na atualidade do clube do que sobre o que cada um defende caso venha a vencer. Até porque o que cada um defende, mesmo indo além da ideia genérica de um Benfica vencedor e até hegemónico, não diverge assim tanto. O que estará em causa hoje (e sábado) é muito mais um julgamento eleitoral de Rui Costa face ao “vieirismo” e a avaliação a Benitez, para se perceber se ele é um “downgrade” na oposição, que há um ano deu mais de 34 por cento dos votos a João Noronha Lopes.

Os dois candidatos já falaram a favor da limitação de mandatos, da realização de uma auditoria ou da revisão de estatutos, para os adequar aos dias de hoje. Nesse aspeto, Rui Costa limitou-se a aquiescer, de certa forma anulando trunfos que o opositor podia jogar até às eleições. A auditoria já está em curso — o que ao mesmo tempo se percebe, por ser urgente entender o que se passou, mas que no cenário atual pode ser motivo de desconfiança –; a revisão estatutária far-se-á lá mais para a frente, em ambiente de Assembleia Geral, sempre dependente dos resultados do futebol e por isso controlável; mas a limitação de mandatos é um passo importante em direção à progressiva democratização do clube. Aceitou Rui Costa que doze anos — três mandatos, portanto — são suficientes “para se ter sucesso”, concordando ao mesmo tempo de forma implícita que mais do que isso seria prejudicial à transparência e à democracia do clube. Parecem duas evidências — e no fundo serão elas que estarão sobre a mesa no ato eleitoral.

No fundo, o que vai a jogo nestas eleições são duas perguntas. A primeira é: Rui Costa serviu o “vieirismo”? A segunda é: Francisco Benitez tem solidez suficiente para continuar a obra de oposição de João Noronha Lopes? Isto é, de um, queremos saber se cortou o cordão umbilical com o “mentor”, enquanto que do outro precisamos de saber se o manteve tempo suficiente para poder ser um opositor à altura. Pode ser uma injustiça para Benitez, cujo movimento “Servir o Benfica” sempre existiu independentemente de Noronha Lopes, mas a verdade é que nunca ele nem o seu movimento tiveram uma estrutura profissional e aglutinadora com a força que levou Noronha Lopes a somar um terço dos votos nas últimas eleições. Por mais sérias, honestas e válidas que sejam as suas ideias, Benitez foi sempre visto por muita gente como um proto-candidato pitoresco. E sim, a coragem que agora mostrou ao avançar contra Rui Costa, face à renúncia daquele que agregara a oposição, mostra que é mais do que isso e que essa avaliação inicial estaria de facto a ser injusta.

Quanto a Rui Costa, muito mal lhe ficaria vir agora dizer que não sabia de nada do que se terá passado — o próprio veio lembrar durante a campanha que está tudo ainda no âmbito da justiça — no Benfica no auge do “vieirismo”. Isso, sim, seria um verdadeiro hara-kiri. Na melhor das hipóteses, Rui Costa pode agora assobiar para o ar à espera que passe, porque a verdade é que nunca se manifestou publicamente contra ações que não precisam da intervenção da justiça para se perceber que eram lesivas para o Benfica, como a famosa OPA à SAD. Até eu, que estava cá fora, tornei na altura públicas as minhas dúvidas acerca da operação. De Rui Costa, na qualidade de vice-presidente e “delfim” designado — ainda que eu suspeite que, dependendo de Vieira, a sucessão só ocorreria num dia 31 de Fevereiro… — esperar-se-ia que, pelo menos, em reunião de direção, da qual existirão certamente atas, tenha expressado as mesmas dúvidas e obtido algumas respostas. Mais do que julgar o seu grau de “vieirismo” pelo total de elementos que transitam dos anteriores órgãos sociais ou exigir-lhe que venha renegar o anterior líder em declarações públicas e anteriores a qualquer condenação, de Rui Costa espera-se que esclareça a sua atuação em operações como a da inexplicável OPA, que está agora incluída na acusação a Vieira.

Estou convencido de que Rui Costa vai ganhar as eleições e continuar como presidente do Benfica. Acredito até que o fará com uma margem superior à conseguida por Vieira no ato eleitoral de 2020 (62/34), abrindo assim uma etapa tão crucial como foram estes meses após a detenção de Vieira — nos quais conduziu o clube e a SAD com razoabilidade política, sentido de responsabilidade e definição estratégica. Mas creio também que Francisco Benitez terá muito mais votos do que os que teria nessa altura, caso não tivesse desistido a favor de Noronha Lopes. E, quem sabe, poderá até tornar-se alternativa válida para 2025. Porque se há coisa que creio não ser possível é a repetição de uma das particularidades do “vieirismo”, que incorporava a oposição numa espécie de absolutismo coreano.

O Último Passe é publicado de segunda a sexta-feira em antoniotadeia.com

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