Encaixes perfeitos e limitações à mostra

António Tadeia
4 min readOct 6, 2021
Crédito: Facebook Liga Portugal

A primeira derrota na época do Benfica, contra o Portimonense, no domingo, terá tido uma série de justificações válidas, da fadiga europeia ao enorme mérito tático dos algarvios, mas não veio colocar em causa a ideia que Jorge Jesus construiu para a equipa, porque ela se adequa aos jogadores de que dispõe “como uma luva”. A expressão, utilizada pelo treinador para caraterizar a entrada de João Mário no grupo, em resposta ao que dele dissera Rúben Amorim, não é, contudo, exclusiva. E se tem sido pela mudança a meio-campo que o Benfica tem começado a ganhar os seus jogos, foi também pela estratégia gizada para o setor por Paulo Sérgio que começou a história de sucesso do Portimonense na Luz. Porque não há luvas perfeitas.

O Benfica desta época estabilizou mais no 3x4x1x2 e assenta em alguns princípios básicos, o mais evidente dos quais é a qualidade de passe dos dois médios centrais (João Mário e Weigl), sobretudo no processo de criação, isto é, já dentro do bloco adversário. Há variantes a este jogo mais apoiado, como se tem visto na percentagem de golos que nascem de passes diretos de um dos três de trás em direção aos avançados, Darwin mais interessado na profundidade pela esquerda, Yaremchuk mais dado a desmarcações de apoio pelo meio e às vezes pela direita. Mas a base passa muito pela maior segurança na posse dada pelos dois médios e pela grande capacidade que Weigl tem de iniciar a segunda fase de construção, levando depois a bola a entrar em João Mário já em zonas de criação ou em Rafa no momento de aceleração, quase sempre provocado pelo esticar repentino da última linha adversária após a busca da profundidade por parte de Darwin.

Ora se isto não é nenhum segredo, Paulo Sérgio há-de tê-lo visto bem antes de qualquer um de nós e, na Luz, jogou com dois fatores. O primeiro foi o encaixe tático nos três construtores do Benfica. O Portimonense deixava os três de trás do Benfica iniciar a construção, mas depois movia marcações apertadas a Weigl, João Mário e Rafa logo no meio-campo encarnado, não os deixando sequer virar-se para o jogo, obrigando-os a receber de costas. Isto veio, muito naturalmente, bloquear aquela que tem sido a principal melhoria do Benfica em relação à época anterior, quando a sua construção era mais precipitada, às vezes brilhante e por vezes catastrófica, bem à imagem de Taarabt, o jogador que por ali andava com mais regularidade. Como tentei explicar aqui, a diferença entre o Benfica de 2020/21 e o Benfica de 2021/22 não é a Covid-19 ou as arbitragens, mas sim a troca de Taarabt por João Mário nas escolhas mais frequentes do treinador.

E isto traz à tona o segundo fator, um misto de fadiga com aquilo a que chamo a síndrome do maratonista por parte do adversário. Jesus apostou em dez dos onze jogadores que dias antes tinham batido o FC Barcelona, no quinto de seis jogos a realizar em 22 dias. No final, o treinador benfiquista negou o desgaste ou um eventual erro próprio por não ter feito rotação da equipa — e dados científicos que suportam essa convicção só ele e a sua equipa técnica os terão. A questão é que o desgaste físico não aparece todo nos dados dos aparelhos de telemetria que os jogadores usam. Há uma parte que se compara ao que passa na cabeça do maratonista que lidera uma prova e passa a placa do último quilómetro — automaticamente começa a olhar para trás e, se a oposição vier a alguma distância, relaxa e baixa o ritmo. O plantel do Benfica sabia que estava no último jogo antes da pausa e isso pode ter-se feito notar no plano mental.

Devia então Jesus ter trocado? É possível. Se andou a trocar cinco/seis jogadores no início da época entre jogos europeus e jogos da Liga, poderia tê-lo feito agora também. Tal como é possível que ele próprio tenha pensado algo como: “É só mais um jogo. Eles aguentam”. É que quando a ideia casa tão bem com a equipa, a resistência à troca pode crescer. Que o diga, por exemplo, Carlos Carvalhal, que em Braga ainda não superou a partida de Fransérgio. O médio que saiu para o Girondins de Bordéus podia nem ser muito valorizado, mas também ele encaixava como uma luva na ideia do treinador. Não era um monstro defensivo, nem de perto tão agressivo sem bola como Castro, por exemplo. Também não era um craque criativo, claramente dotado de menos soluções nesse particular do que André Horta ou Chiquinho. Tinha chegada à área e marcava golos, não só mas também em lances de bola parada, onde fazia valer a sua estatura. E era, em suma, o estabilizador mais completo que o SC Braga tinha no plantel, tanto podendo jogar ao lado de Al Musrati ao meio como a fazer espelho com Ricardo Horta na frente. Desde que deixou partir Fransérgio, o SC Braga só ganhou três de oito jogos que fez.

Os outros são piores do que ele? Não necessariamente. Mas de Fransérgio Carvalhal poderia dizer como Jesus disse de João Mário: “Encaixa como uma luva”. Ou melhor: encaixava.

Nota — Este é o segundo de dois artigos sobre as ideias dos candidatos para o meio-campo. O tema foi iniciado aqui, na passada segunda-feira, com o Sporting e o FC Porto.

O Último Passe é publicado de segunda a sexta-feira, em antoniotadeia.com

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