Matheus faz sentido a Portugal

António Tadeia
4 min readOct 1, 2021
Crédito: Facebook Sporting Clube de Portugal

Ainda que já tivesse sido pré-anunciada no mês passado, quando o jogador faltou à chamada para a seleção do Brasil, e depois lembrada quando Rúben Amorim comentou o caso, após a derrota do Sporting em Dortmund, a convocatória de Matheus Nunes para a equipa nacional de Portugal que vai defrontar o Catar e o Luxemburgo foi a maior novidade da lista ontem divulgada por Fernando Santos. Faz sentido, a chamada do médio do Sporting, que pode ainda não ser um jogador de top Europeu, mas que convém a toda a gente (seleção, clube e até ao próprio) segurar do lado de cá. E embora a sua titularidade nos leões esteja na origem do maior problema tático que a equipa enfrenta nestes dias, ele até tem sido quase sempre dos melhores e não passa pela cabeça de ninguém que a resolução passe pelo seu sacrifício. A potência, a capacidade de queimar linhas em posse revelada por Matheus Nunes tem é de ser enquadrada de outra forma, na equipa do Sporting ou na seleção nacional.

A primeira questão levantada sempre que chega mais um jogador de ascendência brasileira à seleção nacional é a da legitimidade da convocatória. Aquilo que penso a esse respeito tem zero a ver com xenofobia ou nacionalismo, mas tudo com o direito dos países onde não há tão boas condições de vida a manterem os seus melhores talentos. O que estaria aqui em causa não seria uma putativa descaraterização da seleção de Portugal, porque Matheus Nunes chegou aqui aos 11 anos e é um produto futebolístico lusitano tão genuíno como qualquer miúdo da Ericeira, onde cresceu. Quanto muito, o que estaria aqui em causa seria o direito do Brasil a reclamá-lo, porque ele de facto nasceu lá. Mas Matheus acabou por fazer a escolha. Quis jogar por Portugal em vez de jogar pelo Brasil, o que de facto convém mais a toda a gente.

Convém mais ao jogador, que apesar de tudo está na Europa e é certamente na Europa que quer continuar, dando seguimento a uma escolha de vida feita pela mãe, quando emigrou. Convém mais ao Sporting, que assim evita o risco de perdê-lo regularmente para expedições extenuantes e nem sempre coordenadas com o calendário europeu como são os jogos das seleções sul-americanas, bem como o torcer do nariz futuro de clubes com os quais queira negociar o seu passe e que estarão sempre predispostos a pagar mais por um europeu do que por um sul-americano. Convém mais a Fernando Santos, que ganha mais uma opção diferenciada para o seu meio-campo. E não é certamente coisa que tire o sono a Tite, que só se lembrou de Matheus Nunes quando se viu forçado a fazer uma convocatória sem jogadores desaconselhados de viajar por causa de questões relacionadas com a necessidade de fazerem quarentena. Ainda assim, lembrou-se antes de Fernando Santos, que o tem a jogar no quintal lá de casa — o que é estranho.

Porque a segunda questão, a do merecimento, já se colocava há algum tempo. Quanto mais não fosse para reservar o jogador. Matheus Nunes não é, aos 23 anos, um produto acabado, porque lhe faltou escola em mais tenra idade — esteve até aos 20 no Ericeirense, onde por mais boa vontade e carolice que exista, lhe faltariam condições (tempo, campo, treinadores) para evoluir como necessitava. Mas aprende rápido. Da época passada para a atual, já está melhor num aspeto que condicionava bastante o seu jogo — a receção orientada, cuja falta o levava a dar sempre uma voltinha com a bola e a perder tempo fundamental em ambientes competitivos mais exigentes como os da I Liga ou, ainda mais, da Liga dos Campeões. As condições físicas e técnicas de Matheus Nunes são as de um jogador de topo, mesmo que taticamente, este ano, esteja a faltar-lhe o ambiente para ser tão decisivo como era na anterior, quando geralmente até saía do banco. E ainda há dias pensei nisso, quando ouvi um antigo jogador britânico falar da adaptação de Jack Grealish ao Manchester City e me lembrei do que me disse uma vez um dirigente do Sporting acerca de João Pinto, quando ele chegou do Benfica.

Ambos se queixavam de que a insistência no um para um, presente tanto no Grealish atual como no João Pinto de há 20 anos, levava a que se ganhassem muitas faltas mas igualmente à paragem muito frequente do jogo. E — é aqui que Grealish diverge de João Pinto, ou melhor, que o Aston Villa diverge do Benfica — se isso no Aston Villa era uma coisa boa, no Manchester City é mau. Ora o que isto nos diz é que, regra geral, no futebol, há qualidades que podem ser boas ou más, consoante o contexto. As qualidades de Matheus Nunes eram excelentes no contexto em que Rúben Amorim as utilizava na época passada — geralmente entrava para partir o jogo e tornou-se muitas vezes decisivo — mas são de utilidade mais duvidosa no atual, quando ele se soma desde o início a Palhinha num meio-campo demasiado igual e sem elementos diferenciadores. A esse fator — a falta de complementaridade do meio-campo do Sporting — voltarei noutra ocasião. Para o tema de hoje, porém, o que interessa é que isso não impede Matheus Nunes de continuar a ser quase sempre um dos melhores entre os leões, porque ele é craque. Resta agora a Fernando Santos encontrar um contexto em que ele possa ser útil também à seleção.

O Último Passe é publicado de segunda a sexta-feira em antoniotadeia.com

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