O pai austero e o mano mais velho

António Tadeia
4 min readSep 29, 2021

O FC Porto apanhou do Liverpool FC os mesmos 5–1 que o Sporting já tinha apanhado do Ajax na estreia em casa na Liga dos Campeões e a discussão acerca do valor atual dos adversários, sendo relevante, nem é importante quando o que se quer debater é a atitude diferente dos dois treinadores face ao desastre. Há quinze dias, Rúben Amorim foi o mano mais velho, teve uma atitude propositadamente didática para com os seus jogadores, mostrou compreensão em doses que chegaram até a irritar alguns adeptos mais ferozes dos leões, incapazes de aceitar que ele tenha sorrido. Ontem, Sérgio Conceição franziu o sobrolho e foi o pai austero, assumindo primeiro a responsabilidade em nome próprio mas arrasando logo a seguir os seus jogadores por não terem feito ou sequer tentado fazer o que ele lhes mandara e indo ao ponto de dizer que os sub19 “teriam feito mais”.

Quem é que tem razão? Provavelmente nem o futuro o dirá, porque é impossível isolar o impacto da comunicação pública do treinador no rendimento que as equipas demonstram a seguir ao descalabro. Não só porque há outros fatores em jogo, mas também porque há mais comunicação entre treinador e jogadores além da que nós vemos — e a exigência ou a compreensão podem emergir aí, em contraciclo com o que foi a atitude assumida perante o público. Um treinador pode ser exigente em público para apaziguar os adeptos e depois ser compreensivo em privado, no recato do balneário, tal como pode usar a compreensão mostrada nos diretos televisivos para depois lembrar o grupo que não o deixou cair e exigir-lhe mais ainda quando está em privado. No fundo, o que estes dois casos nos mostram é que devemos relativizar o que vemos e ouvimos, porque não vemos e ouvimos tudo. Além de que de nada servirá a um líder com determinadas caraterísticas fingir ser aquilo que não é. Ou de que cada grupo pode exigir um certo tipo de intervenção — e aquilo que é válido para uns pode não o ser para outros.

Independentemente de haver hoje gente a torcer o nariz a Sérgio Conceição — duas vezes campeão nacional em quatro anos e duas vezes presente nos quartos-de-final da Champions — ou a Rúben Amorim — campeão com o Sporting após 19 anos de jejum — o que estas duas goleadas nos mostram é que o nosso nível ainda não é suficiente quando nos colocamos face a equipas de topo. As goleadas surgem quando tudo corre mal — e há demasiados pontos em comum nas duas além do score idêntico. Houve as ausências de Coates e Pepe, a juntar às de Pedro Gonçalves e (após 15 minutos) Otávio. Houve nos dois jogos um golo do adversário na primeira vez que foi à baliza. E houve na forma como Ajax e Liverpool FC chegaram aos 2–0 ainda mais uma coincidência, personificada num acumular invulgar de erros individuais: Zaidu falhou como já falhara Vinagre, da mesma forma que a desatenção de Feddal foi repetida por Fábio Cardoso (ainda que no segundo do Liverpool FC me pareça haver mais responsabilidade de Diogo Costa no desentendimento). Contra adversários de topo, estes erros pagam-se bem mais caro do que na nossa realidade, sempre deficitária do ponto de vista competitivo, o que de certa forma contribui para o amolecimento.

Se quando os jogos correm impecavelmente do ponto de vista defensivo, a coisa pode chegar para equilibrar, como no 0–1 do Sporting frente ao Borussia Dortmund ou no 0–0 do FC Porto contra o Atlético Madrid — aqui com o bónus de um ponto atribuível à maior experiência coletiva da equipa a este nível — a verdade é que mesmo aí fica a sensação de que estamos curtos. O Sporting foi a única equipa além do SV Wehen, da 3. Liga alemã, que não fez pelo menos um golo ao Borussia Dortmund esta época: para anular os pontos fortes do opositor teve de se anular a si próprio também e, apesar do equilíbrio nas estatísticas do jogo, nunca deu a sensação de poder ganhar. O FC Porto foi quem mais golos sofreu do Liverpool FC esta época. Os dois terão de seguida, nos duplos confrontos com Besiktas e Milan, uma espécie de última oportunidade para ainda acordarem para esta edição da Liga dos Campeões. Pelo menos quatro (e de preferência seis) pontos precisam-se, para garantir a continuidade na UEFA, mesmo que seja num patamar mais acessível como o da Liga Europa e garantir que, mesmo que sejamos demasiado fracos para nos batermos com os mais fortes, ainda somos demasiado fortes quando nos tocam adversários que não tenham saído do Olimpo do futebol continental.

O Último Passe é publicado de segunda a sexta-feira em antoniotadeia.com

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