Quando a ideia casa com os homens

António Tadeia
4 min readSep 30, 2021
Crédito: Twitter SL Benfica

A vitória clara (3–0) do Benfica sobre o FC Barcelona, ontem, na Luz, em partida da segunda jornada da Liga dos Campeões, com uma exibição de grande qualidade, assentou numa série de fatores mentais, técnicos, táticos e físicos. O jogo mostrou que Jorge Jesus encontrou já a fórmula certa e a complementaridade de que se fazem os grupos ganhadores. Este Benfica não é imbatível, mas está invicto nos 13 jogos que já fez esta época e a forma como agravou a crise dos catalães, sem piedade e com exuberância, mostrou qualidades importantes como o conhecimento perfeito das próprias virtudes e defeitos e a capacidade para manter o jogo onde queria. As sensações que este Benfica provoca são já bem diferentes das do início desta época, porque a equipa está mais harmoniosa na frente e, com isso, ganhou consistência no meio.

O Benfica começou a ganhar este jogo, porém, no plano da comunicação. Porque ao mesmo tempo que os meios oficiais e oficiosos do clube espalhavam a narrativa segundo a qual o Barça é sempre o Barça, que não há lá crise coisa nenhuma, que se trata sempre de uma equipa temível, Jorge Jesus meteu na cabeça dos jogadores que era para ir com tudo para cima do adversário, que está vulnerável como nunca nos anos mais recentes. E aquilo que se viu em campo foi uma equipa pouco portuguesa, pouco fiel à tradição mais recente do Benfica da Champions. Viu-se uma equipa de mentalidade conquistadora e não necessariamente pela paciência de esperar pelo momento certo para atacar e ferir o adversário. O golo madrugador, a explorar o melhor de Darwin — a potência física e o ataque à profundidade — e o pior de Eric García — um central forte com bola mas risível sem ela — terá ajudado neste desiderato uma equipa que, apesar de tudo, depois disso ainda se sentiu um pouco tolhida no que restou da primeira parte. Enquanto o regressado Pedri teve gás, a bola foi do FC Barcelona e, aí, o Benfica sofreu — lembram-se de quando eu dizia, lá em cima, que este Benfica não é imbatível? É por isto.

A maior dúvida que este Benfica proporcionava no início da época foi ontem parcialmente respondida. Perguntava-se: num meio-campo a dois, com Weigl e João Mário, nenhum dos dois um portento físico ou de agressividade sem bola, quem é que defende? Pois bem, o jogo de ontem deu pistas para se responder a isto. Quem defende? Ninguém defende. O segredo é ter a bola. E enquanto foi o Barça a ter o seu domínio, o Benfica mostrou vulnerabilidades que podiam ter-lhe custado caro. Felizmente para os encarnados, Pedri acabou perto do intervalo, Frankie de Jong baixou para central quando Koeman percebeu que Piqué não ia evitar o segundo amarelo por muito mais tempo e a bola voltou a ser encarnada. E aí, com a bola, o Benfica mostra o seu melhor e esconde o pior, que é a incapacidade para defender o espaço híbrido entre os alas e os centrais de passes diagonais. Com bola, vê-se um Weigl a dar cartas, um João Mário a gerir os tempos do jogo como na contribuição notável que teve para o segundo golo — recebeu no bico da área e, em vez de acelerar, travou, parou mesmo, para encontrar o timing certo para a tabela que Yaremchuk respeitou. Com bola, vê-se um Darwin a trote pelo corredor esquerdo, a atacar a profundidade e a alargar o espaço entre as linhas adversárias, onde Rafa pode depois surgir para desequilibrar em acelerações súbitas e difíceis de travar.

O segredo para o crescimento do Benfica da época anterior para a atual não está apenas no sistema, na alternância de Rafa entre terceiro médio e terceiro avançado. Não está sequer — ainda que já esteja mais… — no tempo que a equipa já teve para aperfeiçoar este todo. Está sobretudo na complementaridade entre os jogadores e na coerência entre quem está em campo e a ideia escolhida pelo treinador. O Bayern será certamente um teste mais exigente a este novo Benfica e, apesar das excelentes sensações que a equipa vem motivando, pode ser também um teste decisivo para o futuro encarnado na Champions. Presumindo que o FC Barcelona vai melhorar com o regresso de Pedri ou Ansu Fati ou com a mudança de treinador que deve estar por dias — ou horas — e que pode perfeitamente fazer seis pontos nos dois jogos com o Dynamo Kiev, a qualificação com que muitos não se atreviam sequer a sonhar mas que agora já parece ao alcance do Benfica, passa por uma de duas conquistas: ou trazer pontos de Camp Nou ou ganhar um dos jogos ao Bayern. É que perdendo na Catalunha, nem um empate com os alemães e uma vitória em casa contra o Dynamo salvaguarda o Benfica dos efeitos nefastos daqueles dois pontos que ficaram em Kiev, numa altura em que a equipa ainda não tinha casado tão bem a ideia com a escolha dos homens em campo.

O Último Passe é publicado de segunda a sexta-feira em antoniotadeia.com

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