Queremos o campo pequeno e direitinho

António Tadeia
4 min readSep 28, 2021
Crédito: Facebook FC Porto

Os três jogos sem qualquer vitória — dois empates e uma derrota — na primeira jornada da fase de grupos da Liga dos Campeões levam-nos a entrar na segunda ronda com as dúvidas em alta. Teremos hipótese? Fala-se de orçamentos gigantescos, do poderio extraordinário dos adversários, mas nesse aspeto estiveram bem Rúben Amorim e Sérgio Conceição, que já direcionaram a questão para as suas próprias equipas e não para o que Borussia Dortmund e Liverpool FC podem valer. Estou curioso por ouvir Jorge Jesus mais logo, porque face a um FC Barcelona que vive um momento particularmente difícil e instável, o que mais tem saído da Luz é a elevação do adversário à categoria que a tradição lhe confere, a de enorme potência. No fundo, tudo aquilo que os três querem é o campo direitinho, sem medo nem excesso de humildade, mas também sem soberba.

O Sporting enfrentará mais logo a Muralha Amarela com o peso acrescido dos cinco golos sofridos com o Ajax na estreia. É como juntar a fome à vontade de comer. Uma equipa que deixou muitas dúvidas do ponto de vista da solidez atrás contra outra que tem sido uma máquina a fazer golos — ainda que também os sofra a grande cadência e só tenha mantido a baliza inviolada uma vez esta época, contra o SV Wehen, da 3. Liga, na Taça da Alemanha. A tendência das pessoas é para repararem nos desvios à norma, mas a norma do Sporting tem sido a de sofrer poucos golos — tem a melhor defesa da Liga Portuguesa. Sim, a Champions é outra louça — e Rúben Amorim já assegurou ontem que percebeu “que isto é muito diferente”. “Percebi que o um para um faz muita diferença. Não é como na nossa Liga”, afirmou o técnico leonino. E a única possibilidade de o Sporting escapar ileso a esta deslocação passa pelo sucesso dessa aprendizagem rápida do seu treinador e da sua jovem equipa, que está viciada em equilíbrios precários mas perfeitamente suficientes para a realidade portuguesa, mas que no plano internacional, contra equipas da qualidade individual e coletiva do Ajax ou do Borussia Dortmund, terá de olhar mais para aquilo que fez o FC Porto ante o Atlético Madrid, por exemplo.

E o que fez o FC Porto em Madrid tem um nome: solidariedade. Que é como quem diz: evitar as situações de um para um, juntar a equipa de maneira a assegurar mais equilíbrios e menos desequilíbrios. Em Portugal, que foi onde tinha sido testado até ao jogo com o Ajax, o Sporting está habituado a apostar em muito um para um, em puxar os seus adversários para um dos lados do campo de forma a depois explorar o espaço aberto no outro, em fazer o “campo grande” como já se vê pouco, mas na Europa, contra adversários deste nível, o campo tem de se tornar pequeno e não grande. Foi isso que Sérgio Conceição percebeu, porque tem mais experiência, não só como treinador mas até como jogador de alto nível. Conceição fará hoje o 30º jogo como treinador na Liga dos Campeões — Amorim vai para o segundo — e antes já lá tinha jogado 37 vezes, contra 13 do treinador do Sporting. O Liverpool FC é um adversário mais diferenciado e por isso de mais difícil encaixe do que foi o campeão espanhol, que os dragões anularam em Madrid, mas o desejo de Conceição para mais logo é o mesmo: quer o campo direitinho, de maneira a poder partir da sua organização baseada no tal conceito de solidariedade. “Depende muito da nossa organização, do nosso trabalho, do que possamos fazer para vencer”, justificou o treinador portista.

No fundo, os dois encaram problemas um pouco semelhantes aos enfrentados pelos técnicos de equipas de meio da tabela quando defrontam os grandes em Portugal. O que fazer? Trair um ideal de raiz ofensiva porque, com o escalar da exigência, ele pode virar-se contra nós? E, se o fizermos, que reflexos é que isso terá na forma de jogar da equipa quando voltar a ter pela frente os adversários do quotidiano, quando esse ideal ofensivo voltar a ser necessário e preponderante? Perder-se-á a equipa nessa altura? Numa época em que ainda não fez um jogo de encher o olho no plano interno, a superioridade internacional do FC Porto face às outras equipas portuguesas baseia-se muito na capacidade que desenvolveu para manejar esta dimensão estratégica do jogo. Sabe jogar juntinho e solidário quando isso lhe faz falta e depois saber expandir e desequilibrar quando volta à realidade do dia-a-dia. Para se sagrar campeão nacional, ao Sporting de Amorim bastou esta segunda cara. Para endireitar o campo na Europa precisa de voltar à base.

O Último Passe é publicado de segunda a sexta-feira em antoniotadeia.com

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